domingo, 9 de março de 2014

O papel dos receptores no ensino-aprendizagem do jornalismo online

Janara Sousa e Márcia Marques

A proposta desse artigo, apresentado no I Colóquio Mudanças Estruturais no Jornalismo (Brasília, 2011), é discutir o processo de ensino-apredendizagem do jornal-laboratório online da Faculdade de Comunicação, da Universidade de Brasília. Mais precisamente, o foco da pesquisa foi entender o papel da participação dos receptores nas páginas do jornal. Analisamos o material publicado pelos leitores no espaço de comentários do jornal, no segundo semestre de 2010. No total foram analisadas 349 postagens, organizadas em três categorias, que apontavam que esse era um espaço de discussão importante entre a comunidade acadêmica, os leitores em geral e os discentes. No entanto, percebemos que o papel do receptor é ainda mais especial, considerando que boa parte deles são ex-alunos e que, portanto, tiveram seu ensino-aprendizado continuado e articulado com os jovens repórteres do Campus Online.

Introdução
Este artigo pretende analisar a relação entre estudantes de jornalismo e leitores no espaço de comentários do jornal eletrônico Campus Online (www.fac.unb.br/campusonline). Para o estudo, tomamos o Jornalismo pelo ângulo da prática social, mais especificamente no que diz respeito ao diálogo emissor/receptor. Em nosso caso, na disciplina Campus 1, o Jornalismo também é um exercício acadêmico, que une o fazer ao pensar o fazer.
Esta reflexão se dá a partir da pesquisa empírica de jornalismo online que desenvolvemos no Laboratório Campus, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, na disciplina Campus I. Produzido por jovens de 19 anos, em média, cursando o quinto semestre de uma série de oito semestres que compõem o curso de Jornalismo, o Campus Online completou 10 anos em 2010. Nasceu em linguagem html, no formato de editoria do jornal impresso Campus, este criado em 1970, experiência pioneira no ensino de jornalismo no Brasil.
Por tratar de produção jornalística, a disciplina Campus 1 se fundamenta, em boa medida, no viés funcionalista, mas vai além da repetição mecânica e tecnicista de rotinas ou da cópia de modelos de prática como sinônimo de formação. Se assim fosse, o papel do laboratório se resumiria à formatação limitada pela reprodução, e perderia a possibilidade que lhe é peculiar: experimentar sem medo de errar.
Mas o que é ser jornalista? E de que jornalismo estamos falando? No artigo Jornalismo e Epistemologia da Complexidade, produzido originalmente em 1991, a professora Cremilda Medina defende que é preciso investir na formação do jornalista em sintonia com a capacidade relacionadora que envolve as “interrelações sujeitos-fonte, sujeitos-produtores de mensagens e sujeitos receptores” (MEDINA, 2006, p. 5).
Um ponto importante, na base deste processo educativo, é a consciência de que a interrelação autor/leitor do jornal – especialmente no meio eletrônico – também vive momento de transformação. E esta é apenas uma das mudanças que o ensino do jornalismo em laboratório deve experimentar e sobre ela refletir. As transformações estruturais do jornalismo atingem a identidade e o estatuto: interferem nas práticas, nos modelos de organização, nas formas de apresentação da notícia e da construção de discursos. Esta instabilidade se reflete, também no campo da regulamentação dos meios de comunicação.
A experiência em laboratório deve trazer ao aluno a possibilidade de conhecer o terreno fluido e movediço em que se encontra o fazer jornalístico. Esta noção de terreno “flou” – cunhada por Ruellan em 1993 – de fronteiras mal definidas do exercício da profissão jornalística, traz a ideia de que as novas práticas emergem de maneira dispersa, isto é, não estão ligadas a uma fonte única (ADGHIRNI e RUELLAN, 2009).
Esta complexidade de experimentação também busca subsídios na sociologia do jornalismo, especificamente no conceito de jornalismo de comunicação, dos pesquisadores canadenses Brin, Charron e Bonville. Este jornalismo, defendem os autores, é contemporâneo das técnicas de transmissão eletrônica e, eventualmente, numéricas, das mensagens escritas ou audiovisuais. 
Em tempos de convergência de mídias, as redações produzem mais do que notícia, oferecem outros tipos de informação tratados com a narrativa jornalística. A cada novo espaço editorial, os meios lançam mão do que se chama de comunicação institucional – responsável pela formação da imagem das organizações – como produzir matéria, com a narrativa jornalística, para explicar ao leitor a criação de um novo serviço, ou de uma nova editoria no jornal online, por exemplo. Para o pleno funcionamento da organização, existem mecanismos de comunicação interna e de comunicação administrativa que também podem ser experimentados neste aprendizado de jornalismo.

40 anos de história
O nascimento do laboratório Campus, com a edição número 0 do jornal impresso publicada em novembro de 1970, foi resultado de uma experiência inédita. Várias disciplinas de práticas e de técnicas jornalísticas foram reunidas em um bloco, denominado Campus. Os alunos tinham aulas de segunda a sexta-feira e produziam um jornal standard, de tiragem e periodicidade irregulares.
Pioneiro por ter sido criado antes da exigência legal de instalação de jornais-laboratório nas escolas de jornalismo, de 1979, o Campus acompanhou o desenvolvimento das novas tecnologias para a produção de jornais. Ao jornal impresso, somou-se, em 2000, uma página na internet, com o nome Campus Online. Juntaram-se ao grupo, a partir de 2008, duas revistas semestrais de reportagens, a Campus Repórter – oficina avançada de jornalismo impresso – e a eletrônica Reportagem, produzida pelos alunos do quarto semestre letivo e publicada no encerramento dos trabalhos do Campus Online. 
Em 2000, em artigo escrito para a edição 253 do Campus, comemorativa dos 30 anos do laboratório, o professor David Renault registrou o nascimento do jornal online: “Na falta de orçamento oficial, as assinaturas de convênios e contratos de prestação de serviços, por parte da Faculdade da Comunicação, garantiram os recursos para reformular a redação e montar uma moderna rede de computadores, onde já se produz, também, numa fase experimental, o Campus Online” (RENAULT, 2000, p.2). Poucos alunos – principalmente os que dominavam a linguagem html – quiseram participar da experiência. 
Em 2002, a aluna Maíra Carvalho criou um sistema publicador de notícias e uma interface gráfica, utilizando o conceito de armazenamento e gestão em banco de dados, em linguagem PHP. O back end do sistema, o gerenciador da produção, se baseava na estrutura hierárquica de nossa redação-laboratório de impresso. O sistema, denominado Parla, deu autonomia para as experimentações online. Neste período, o jornal deixou de ser editoria, transformou-se em disciplina. 
Fruto das mudanças do currículo da Faculdade de Comunicação, Campus I precederia a prática de produção de jornal impresso, ampliando o tempo de permanência dos jovens em laboratório. Ainda por alguns anos a ex-aluna cuidou, de forma voluntária, da manutenção do sistema publicador, cuja pesquisa ela havia abandonado depois de graduada. As primeiras páginas do Campus Online se perderam no espaço etéreo e fragmentado do mundo virtual. Por meio de uma ferramenta denominada way back machine foi possível recuperar algumas páginas, nem todas íntegras, do que foi publicado a partir de 2001.
A partir de 2005, um grupo de alunos da Ciência da Computação passou a integrar o Campus Online, matriculados em uma disciplina optativa, denominada Comunicação e Informação. Participam das aulas para compreender a lógica da arquitetura da informação para produzir notícia. Orientados à distância por Maíra (cursando um mestrado em tecnologia na Finlândia) criaram um sistema gerenciador de publicações com banco de dados a partir de um software livre, o Joomla, até hoje. Hoje trabalham em parceria com os alunos de jornalismo, para atualização do sistema e atendimento das demandas da redação. A partir desta disciplina, o conceito de bloco interdisciplinar – da época da criação do jornal impresso – foi ampliado para uma esfera transdisciplinar.

O meu jornal: tempo e espaço da apropriação
No Campus Online, um dos objetivos pedagógicos é que todos tenham compreensão do processo produtivo em jornalismo e de construção das convenções de hierarquia e rotinas da organização jornalística. Esta é a espinha dorsal do percurso de experimentação. No caso, esta prática está focada na notícia, apresentada em um suporte multimídia – texto, sons e imagens.
Desde el punto de vista convencional, el proceso de producción de notícias se observa como una dinámica interactiva, “donde diversos agentes sociales ejercem un papel activo en el proceso de negociación constante” y cuya necesidad de prever la cobertura de los hechos se materializa en un conjunto de rutinas productivas (PEREIRA, 2010, p.110 e 111).
A orientação de exercitar a autonomia pela produção de conhecimento, e, no caso do jornal laboratório, pela construção de sentido, começou pela leitura, em 2000, do livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, que serviu de roteiro para uma experiência pedagógica na Faculdade de Comunicação, coordenada pelo professor Clodo Ferreira, levou à mudança de nosso currículo, que saiu do modelo tradicional de “grade curricular” para uma proposta de aprendizado de imersão. A pedagogia de Freire acabou por se refletir no laboratório Campus, que à época produzia apenas o jornal impresso.
De Freire vêm os conceitos de rigorosidade e amorosidade na relação com o aluno. Dele, também, a noção de educação libertadora, explicitad no livro-diálogo Medo e Ousadia, produzido em parceria com o educador norte-americano Ira Schor:
O educador libertador tem que estar atento para o fato de que a transformação não é só uma questão de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma questão de métodos, então o problema seria mudar algumas metodologias tradicionais, por outras mais modernas. Mas não é esse o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade (SCHOR e FREIRE, 1986, p. 48).
Nesse contexto, ensinar, (do latim insignare – sinalizar, assinalar) e aprender (aprehendere) compõem o processo de educar, (educare) que tem relação com ducere – conduzir – e educere – tirar para fora, criar (JORGE e MARQUES, 2008, p. 123). O roteiro teórico-prático-metodológico de estudar pela pesquisa é a base didática desta proposta, que envolve a formação do sujeito crítico e criativo, em um ambiente de sujeitos, e não em um espaço que transforma pessoas, em sua maioria jovens, em objeto, de ensino. “Somente um ambiente de sujeitos gesta sujeitos”, resume Demo (2005). Este conceito dá sustentação ao pressuposto de trabalho em que todos em sala – professores, alunos, servidores – tornam-se parceiros de produção, sujeitos participativos, em uma redação-laboratório chamada Campus.
Demo também destaca que a escola precisa oferecer ao aluno as melhores condições para a aprendizagem, não só por um melhor desempenho escolar, mas pela experimentação prática que permita a realização como indivíduo, capaz de aprender sempre, e de se reinventar: “O profissional, portanto, não é aquele que apenas executa sua profissão, mas sobretudo quem sabe pensar e refazer sua profissão.  (DEMO, 2005, p.68).

A organização jornalística
Até chegar à tela dos computadores, a notícia passa por um complexo processo de produção coletiva. Não importa se o grupo é de aprendizes, alunos do jornal-laboratório, ou se o trabalho é de jornalistas profissionais. O que se vê na tela, em formato multimídia, que integra texto e as linguagens audiovisuais, é resultado de um processo coletivo organizado, fruto de rotinas e negociações entre pessoas que têm por objetivo comum produzir um jornal online. Para que funcionem sem conflitos – ou com o mínimo de ruído – a organização deve definir regras sobre o que é comportamento aceitável, tanto no nível coletivo quanto no individual.
A sociedade moderna se transformou em uma sociedade de organizações e através delas o indivíduo consegue ampliar as aptidões, aproveitar melhor habilidades e conhecimento de cada um (KUNSCH, 2003). Essas organizações constituem aglomerados humanos planejados conscientemente, que passam por processo de mudanças se constroem e se reconstroem sem cessar e visam obter certos resultados.
A cada semestre, a partir de pesquisa sobre o público, a concorrência e o próprio jornal, a equipe define um projeto editorial a ser experimentado pelo grupo. Disponível na página “quem somos” representa o acordo firmado pela equipe do Campus Online com o leitor e  como base de avaliação para os professores.
Os alunos têm autonomia para apresentar o projeto editorial, delimitado por parâmetros oferecidos pelos professores: produzir um jornal, alimentado três vezes por dia, no mínimo e com horários fixos de publicação; dirigido ao público formado por alunos, professores e servidores da Universidade de Brasília, sem esquecer que a rede tem características globais; organizar a informação em cinco temas (editorias) e abrir espaço para participação de parceiros (os outros produtos do laboratório).
Os jovens são alertados sobre a necessidade de exercitar os diálogos com um receptor multifacetado e que não se restringe ao leitor, apenas. No nível interno, a partir da organização convencionada pelo grupo os relacionamentos são facilitados por e-mails, e-group, documentos compartilhados para elaboração coletiva, por exemplo. No nível externo, há o relacionamento com parceiros: prestadores de serviços (tecnologia, ilustradores, entre outros), outras redações do laboratório (rádio e telejornalismo), ombudsman, leitor, fontes.
Por orientação dos professores, o projeto editorial tem que contemplar o espaço para o leitor – fisicamente definido como espaço de comentários – a ser mediado por um ouvidor (ombudsman), ex-aluno de Campus Online e de preferência engajado em projetos de pesquisa e/ou de extensão de direitos do leitor.
A iniciativa de criação do ombudsman é de 1998, nascido no jornal impresso em parceria com o projeto de extensão SOS Imprensa, coordenado pelo professor Luiz Martins da Silva, com o objetivo de atender às demandas dos leitores. “Cada caso debatido e cada contato com o público servem de oportunidade para mediadores, leitores e repórteres dialogarem sobre sugestões, críticas e elogios ao conteúdo publicado” resume Jairo Faria, jornalista responsável pelo Agentevê, programa da Ouvidoria da UnBTV, em artigo publicado na edição comemorativa dos 40 anos de existência do jornal impresso.
Diálogo é a palavra repetida a cada momento em que se remete à relação entre jornalistas e leitores. Mas é preciso compreender que diálogo não significa o que no senso comum se traduz por concordância. No conceito etimológico, diálogo representa a “fala entre duas pessoas” “conversação entre muitas pessoas” (CUNHA, 1982, p. 261 e 262). No Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: ideias afins, diálogo é palavra localizada na classe do intelecto, na seção de comunicação de ideias, na categoria entendimento, agrupada com (destaco algumas das palavras) entrevista, convivência, relações, prática, debate, discussão (AZEVEDO, 1983, p.288).

A dinâmica do embate
O universo dessa pesquisa foram as trocas ocorridas no âmbito do site do Campus Online. Nós trabalhamos com a seção de comentários, na qual os leitores podem se manifestar, assim como os alunos matriculados na disciplina de jornal-laboratório online. Esse espaço é aberto a qualquer pessoa. No final de cada matéria do jornal há uma seção chamada “Adicionar matéria”, na qual é possível postar comentários. As mensagens postadas nesse campo aparecem, portanto, no final do texto das reportagens. Os campos obrigatórios de preenchimento são nome e e-mail. Mesmo assim, é possível colocar nomes e endereços eletrônicos fictícios, o qual acontece sobremaneira. Ou seja, se o anonimato for desejado pelo leitor ele pode ser executado. Para sempre publicadas, é preciso o aceite do ombusdman do jornal. Os comentários ficam aguardando a liberação desse ator social para aparecerem nas páginas do periódico online.
Esse filtro é importante para evitar a publicação de spams e conteúdos inapropriados. O ombusdman é, frequentemente, um aluno do curso de jornalismo, que já passou pela disciplina Campus 1. A cada semestre elege-se um novo interlocutor. Além da coluna semanal sobre o jornal, o ombusdman também publica e modera os comentários. É importante acrescentar que observamos como tendência, como citado anteriormente, a não publicação somente de mensagens com insultos e palavrões e spam
É preciso ratificar que esse espaço para comentários ganhou uma importância inusitada e não planejada. Isto porque a criação dessa seção foi despretensiosa, aconteceu para acompanhar o modo como os jornais online operam, mas, também, para se conhecer a opinião do leitor sobre o trabalho que vinha sendo desenvolvido. Portanto, não houve uma programação. Tratou-se mais de uma experiência que, ao final, revelou-se como um grande laboratório pedagógico que mobilizava os alunos e os faziam responder aos internautas comentando, explicando ou agradecendo as manifestações.
Por essas razões nos perguntamos qual o conteúdo e qualidade do debate travado nessa arena pública. Essa é uma pergunta crucial, considerando que os discentes passaram a se preocupar com o conteúdo e com os autores das mensagens e respondiam literalmente ou no seu fazer jornalístico, às provocações e pontuações.
O espaço para comentários do Campus Online foi criado há aproximadamente 18 meses. A amostra da pesquisa foi de 349 mensagens e se concentrou no período de 27 de outubro de 2010 a 16 de janeiro de 2011, esse lapso de tempo correspondeu a praticamente todo o segundo semestre do ano de 2010. Esse recorte abarcou os comentários sobre a produção da turma do segundo semestre de 2010. O lapso de tempo é significativo já que se concentra, desde o princípio, no labor de uma única turma.
Para analisar o material coletado acolhemos como suporte teórico as técnicas da análise de conteúdo e como autor principal de interlocução: a pesquisadora Laurence Bardin. Conforme Bardin (1977), a análise de conteúdo é um método empírico cuja vocação é analisar as comunicações e ir além da aparência destas. Para autora, não existe um conjunto de técnicas determinadas e rígidas que componha a análise de conteúdo. Embora ela considere que haja regras básicas, pondera também que a cada nova análise, considerando o amplo leque de possibilidades, elas têm de ser reinventadas.
Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações (BARDIN, 1977, p. 31).
A pré-análise dos comentários nos permitiu criar categorias que atendessem ao objetivo da pesquisa: identificar o papel dos receptores no ensino-aprendizagem do jornal online. A leitura prévia nos permitiu conhecer melhor o corpus da pesquisa. Os comentários são mensagens que giram em torno de duas ou três linhas, embora haja exceções. A princípio pensamos em trabalhar com as categorias temáticas, propostas por Bardin (1977), isto porque ficou claro que era possível identificar temas que aparecessem com certa regularidade. E, na verdade, o que fizemos foi, de fato, criar categorias temáticas. Contudo, considerando a sutileza do nosso objeto que se questiona sobre a relação de dois grupos distintos – alunos e leitores – criamos mais uma categoria de análise que está ligada aos emissores. Mesmo correndo o risco de subverter as orientações quanto ao rigor na construção das categorias, optamos por mais uma que é relativa aos emissores – mais precisamente: os alunos regularmente matriculados e o ombudsman do jornal (um ex-aluno). Esta decisão foi importante porque nos interessa e muito o conteúdo, e, por isso, as categorias temáticas, por outro lado, há, pelo menos, um tipo de emissor que precisa ser mapeado para compreendermos o conteúdo, o local de fala e o impacto deste no processo de ensino-aprendizagem.
No Quadro 1 apresentamos as categorias analíticas, os prováveis emissores e as incidências; a maior incidência foi de emissores que não faziam parte da disciplina, como ex-alunos, familiares, comunidade acadêmica e leitores e em geral:

Quadro 1 - Freqüência de ocorrência das categorias analíticas
Categorias
Prováveis emissores
Frequência de Ocorrência
Produção Jornalística
Ex-alunos
93
Discussão do conteúdo
Ex-alunos, familiares dos alunos da disciplina, fontes, comunidade acadêmica e leitores em geral
163
Alunos da disciplina
Alunos regularmente matriculados
38

Total
349
Fonte: elaboração própria.
As mensagens que não foram agrupadas nas categorias acima são referentes a spam e outras que não foram publicadas, como comentamos, por que traziam conteúdo inapropriado: como palavrões e xingamentos. Houve também alguns comentários do ombusdman nesse período – oito postagens – e por isto decidimos não analisá-las. Todos os comentários analisados foram publicados.
A primeira categorização “produção jornalística” diz respeito às mensagens enviadas cujo conteúdo versava sobre o próprio fazer jornalístico. Aspectos como: apuração deficiente, falta de lead, equívocos na hierarquia da disposição das informações, parágrafos longos, fotos de qualidade, pluralidade de fontes e outros eram apontados pelos leitores. A primeira mensagem do semestre (publicada em 27 de outubro de 2010), por exemplo, foi a seguinte: “Não leram o guia do Campus, não? O português na primeira legenda (e no resto do texto também, argh) mandou lembranças” (CAMPUS ONLINE, 2010). Conteúdos como estes nos levam a considerar que os emissores sejam alunos da Faculdade de Comunicação, visto que corrigem ou elogiam o fazer jornalístico. Apontam aspectos que o leitor comum, que não entende das idiossincrasias da produção jornalística, não faria. Trata-se de leitores qualificados capazes de assinalar erros para além da correção gramatical e ortográfica. 
Além disso, o conteúdo dessas mensagens nos faz crer que os emissores são alunos que já passaram pela disciplina e não aqueles que ainda vão passar. Como evidência, tem-se, como no exemplo acima, observações diretas a rotinas específicas da cadeira, como o uso do Guia Campus. Muitos comentários ganharam até contornos didáticos, como se o emissor fosse uma espécie de monitor. Um caso interessante foi a mensagem postada em 07 de janeiro: “Bem legal a matéria. É sempre interessante quando os alunos não se restringem às fontes da UnB ou do DF. Só uma dica: lide sempre fica melhor na voz ativa. “O presidente assinou” é mais forte que “Foi assinado o decreto”” (CAMPUS ONLINE, 2011).
A categoria “produção jornalística” teve 93 comentários, o que equivale a 27% do total enviado no lapso de tempo escolhido. Esses tipos de comentários, certamente, não são comuns num jornal online (especialmente os comerciais), contudo, percebemos que no que concerne ao Campus Online teve uma alta incidência. Isso nos aponta que os outros alunos da Faculdade de Comunicação e, em especial, os ex-alunos do Campus Online acompanham as postagens feitas no site do jornal.
A segunda categoria “discussão do conteúdo” é na qual agrupamos mais mensagens. Esses comentários estão relacionados aos temas das matérias. Geralmente, discute-se a importância de se ter escolhido determinados assuntos, elogia-se os repórteres e sugere-se mergulhar mais profundamente em alguns temas. Foram 163 comentários dessa natureza, o que representa quase 47% do universo total. Os emissores são, possivelmente, as próprias fontes, familiares dos alunos matriculados na disciplina, discentes da Faculdade de Comunicação e comunidade acadêmica.
As diferenças com relação à primeira categoria analítica, é que nesta não se versa sobre aspectos das técnicas jornalísticas. O conteúdo aqui é o aspecto privilegiado. Como exemplo, tem-se o comentário publicado no dia 25 de novembro de 2010:
Muito boa matéria, principalmente por alertar da necessidade da preocupação com o todo, não basta iluminar e aumentar o efetivo somente no Plano Piloto. Nossa preocupação deve ser mais ampla e incluir também um plano efetivo de melhoria e qualidade de vida para todas as cidades do entorno (CAMPUS ONLINE, 2010).
A mensagem acima é significativa para exemplificar a natureza dos comentários dessa categoria. Como se pode perceber o álibi para se enviar uma postagem é o conteúdo e não as técnicas jornalísticas. Aqui o debate entre os leitores gira em torno de aspectos dos temas abordados nas matérias. Muitas vezes, o debate parece ocorrer entre os leitores e as fontes das matérias. Um caso que teve repercussão foi a matéria “Estudantes fazem boicote contra o Café da Mara”, publicada em 16 de dezembro de 2010, sobre o movimento dos alunos contra uma cafeteria que funciona em um dos prédios da UnB. Uma das mensagens promovia esse debate com as fontes: “Esse café é nojento. Ela é uma cara de pau! Parabéns pelo boicote” (CAMPUS ONLINE, 2010).
A terceira categoria “alunos da disciplina” destaca um aspecto diferente das outras. Nela o conteúdo poderia ser facilmente agrupado em uma das supracitadas categorias, entretanto, aqui queremos dar destaque à participação de um emissor especial: os alunos regularmente matriculados na disciplina. Categorizamos 38 mensagens desse tipo, o que equivale a 11% do total. Defendemos que a dimensão do debate, que considerávamos como hipótese, aparece mais claramente quando observamos a participação desses emissores.
Os alunos da disciplina, mesmo sem uma demanda específica por parte das professoras, passaram a responder alguns comentários postados, majoritariamente, os agrupados na categoria “produção jornalística”. Os erros e acertos apontados passaram a ser respondidos pelos alunos e cada manifestação destes gerava ainda mais comentários dos leitores, que se estimulavam com o debate. Para qualificar essa categoria, vale citar o comentário publicado por um aluno, em 16 de novembro de 2010, no qual ele agradece as críticas feitas por um leitor: “Nem toda entrevista precisa ser apresentada na forma de perguntas e respostas. Concordo com você que faltou diferenciar melhor o que é a falta e o que é a voz do repórter no texto. Obrigado pelos toques e pela leitura!” (CAMPUS ONLINE, 2010).
Os alunos que respondiam aos comentários tinham funções diversas no jornal (repórter, repórter fotográfico e editor). O que os motivava a responder eram as críticas e observações diretas ao trabalho de cada um ou a editoria que pertenciam naquele determinado momento.
O conteúdo dos comentários dos alunos era, geralmente, apaziguador, no qual eles reconheciam os erros e agradeciam as interferências. Muito embora haja exceções, como foi a resposta, publicada em 10 de dezembro de 2010: “Os funcionários eram pagos para limpar, e num valor-hora muito superior ao que a própria UnB paga à esses terceirizados. No mais, não respondo comentários de gente desinformada e covarde, que se esconde atrás de pseudônimos datados como esse” (CAMPUS ONLINE, 2010).
As três categorias analíticas nos apontam que o espaço de comentários do Campus Online virou uma ágora que cria condições para um debate que vai muito além dos muros da sala de aula. Os leitores têm uma participação importante e mobilizam os alunos a participar da discussão.

A dinâmica do debate: o aprendizado continuado
O embate entre os alunos repórteres e os leitores do Campus Online cria um debate rico e profícuo nas páginas do periódico. Acreditamos que os leitores que postam as mensagens na seção de comentários provocam uma extensão do processo ensino-aprendizagem sob dois aspectos distintos.
O primeiro aspecto, e o mais óbvio, é o estímulo que a seção de “carta dos leitores” deu aos jovens discentes. Mesmo os comentários mais ácidos tinham uma função importantíssima e faziam com que os alunos se preocupassem com a produção. Na verdade, as piores notícias, se assim pudermos nos referir aos comentários mais duros, traziam sempre as boas notícias da mudança, da correção e do debate, visto que para eles quase sempre havia respostas.
A observação direta da redação nos levou a construir a hipótese da importância da seção de comentários no processo de ensino-aprendizagem. O burburinho dos alunos em torno de algumas postagens e os relatos de angústia e ansiedade ao ver a matéria comentada nos levou a considerar que o trabalho de investigação do conteúdo desse material seria um elemento fundamental para compreendermos a dinâmica do processo que se construiu no laboratório. A análise de conteúdo confirmou a hipótese ao percebermos que, efetivamente, esse espaço, não controlado e não programado, se tornou uma importante ágora de debates.
O segundo aspecto que identificamos sobre o papel dos receptores é ainda mais interessante: as mensagens, agrupadas na primeira categoria “produção jornalística”, foram enviadas, provavelmente, por ex-alunos. Conforme argumentamos anteriormente, o conteúdo dessas comunicações demonstra que há um leitor. Nesse sentido, esse leitor é ainda mais especial porque tem sua formação continuada. Mesmo concluindo a etapa do jornal-laboratório online, o sentimento de pertencimento faz com que esse aluno volte na qualidade de leitor e também de crítico, capaz de ressaltar os equívocos e os prováveis “caminhos errados” da turma atual na condução do jornal.
Trata-se de uma sintonia fina entre alunos em formação que se auto-avaliam e continuam mutuamente ensinando e aprendendo. Como a pesquisadora Cremilda Medina (2006) avaliou o investimento na capacidade relacionadora desses sujeitos em formação é fundamental. E cremos que isso é ainda mais interessante quando esses sujeitos alternam espaços de fala e, mesmos sem serem demandados, continuam a fazer parte do processo de ensino-aprendizagem da disciplina.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que esse movimento dos ex-alunos explica o movimento e o conteúdo da terceira categoria “alunos da disciplina”. Um modo de explicar essa dinâmica é que os alunos regularmente matriculados se sentem especialmente motivados pelos comentários dos seus colegas, mais precisamente, os veteranos. A ação dos ex-discentes desencadeia a reação dos jovens repórteres e estes percebem as fronteiras fluidas do universo do jornalismo (ADGHIRNI e RUELLAN, 2009) e desfrutam uma experiência única na relação com os leitores. 
Essa vivência traz para os alunos, que estão se formando no âmbito de profundas transformações do jornalismo, um novo paradigma de recepção. O receptor é sim alguém que tem voz e que busca mecanismos para exercê-la, mas, além disso, muitas vezes, ele se apresenta como qualificado e aponta equívocos que, provavelmente, doem ao serem expostos publicamente, mas que também, por outro lado, qualificam ainda mais esse emissor.

Considerações finais
As profundas transformações do jornalismo traz uma nova relação com o receptor. A experiência do ombudsman, como mediador da seção de comentário, e a própria seção, reforça que esse espaço se tornou mais uma instância do ensino-aprendizado. A pesquisa aqui realizada, certamente, torna mais claro como esses mecanismos se processam.
A “seção de comentários” do Campus Online trouxe a surpresa da intensa participação dos receptores, inclusive dos ex-alunos. Um modo de explicar esse fenômeno é por um lado o sentimento de autonomia e pertencimento que a disciplina gera, que faz com o aluno se sinta participante mesmo depois de concluir essa fase, e a oportunidade que os mecanismo de interação trazem.
As relações entre receptor e emissor se revelam profundamente importantes, especialmente no jornalismo online. E esse foi um tema de intenso debate ao longo do desenvolvimento da disciplina laboratorial Campus Online. A capacidade de se relacionar com o leitor é cada vez mais uma competência exigida do jornalista e que deve ter o seu debate em sala de aula estimulado.



Referências
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Sobre as autoras:
Janara Sousa –  jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília – UnB. É doutora em Sociologia também pela UnB e fez doutorado-sanduíche na Universitat de Barcelona, em Barcelona, Espanha. Professora do curso de Comunicação Organizacional na FAC/UnB.

Márcia Marques – jornalista formada pela USP e mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília – UnB.  Doutoranda do programa de pós-graduação da Faculdade de Ciência da Informação da UnB. Professora do curso de Jornalismo da FAC/UnB.