quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O jornal Campus e a pesquisa de opinião sobre a escolha do reitor da Universidade de Brasília

Márcia Marques e Solano Nascimento


– Queremos fazer uma pesquisa sobre como vão votar professores, alunos e funcionários na
eleição para reitor.


O pedido, meio decisão já tomada, foi apresentado ainda nas primeiras semanas de aula da nova turma da disciplina Campus 2, em que alunos do sexto semestre produzem cinco edições de um jornal impresso, formato tablóide, de 16 páginas, com tiragem de 4 mil exemplares e distribuição principal para o público da Universidade de Brasília. Neste período, o grupo, formado por 27 alunos, estava em fase de elaboração do projeto editorial a ser experimentado pela equipe no semestre, o segundo de 2008.
Nessas três primeiras semanas, os alunos mergulham nos conceitos que envolvem a organização da produção no laboratório de jornalismo, analisam as edições dos 38 anos do jornal, pesquisam o público e também as publicações da concorrência. O objetivo desta dinâmica, em sala de aula, é permitir aos alunos compreender como funciona a estrutura interna do campo jornalístico – qual o capital dos agentes desta organização, qual a mobilidade – e o relacionamento deste com os outros campos. Tomada de Bourdieu (1989), a noção de campo sustenta a estrutura didática para o ensino das rotinas de produção jornalística, sempre tão funcionalistas, na redação do laboratório.




  • No campo jornalístico, os agentes, os jornalistas, ocupam funções diferenciadas na estrutura da redação e que determinam o poder de decisão que possuem para, dentro do campo, definir o que será, ou não, publicado, as pautas que serão acompanhadas, os temas descartados da cobertura. (Marques: 2005)
Esta nova equipe do jornal impresso vinha embalada pelo trabalho desenvolvido por eles no
semestre anterior, quando cursaram a disciplina Campus 1, que tem como proposta levar os
alunos a experimentar a produção de notícias, com foco na apuração, para o Campus Online o jornal digital de nosso laboratório. Nascido dentro do impresso, no final dos anos 1990, feito em linguagem HTML e organizado como uma editoria do impresso, o Campus Online trabalha essencialmente com hard news, com as notícias factuais. Esta fase, para os alunos, é de exercício do lide e da pirâmide invertida, da produção de pautas, de aprofundamento das questões que estudaram em técnicas de jornalismo, no quarto semestre.
Este grupo foi responsável pela cobertura das denúncias contra o reitor Thimothy Mulholland e também da ocupação da reitoria, que resultou na renúncia de Mulholland e na escolha de Roberto Aguiar, como reitor pro-tempore. Mais do que produzir notícias diárias, fizeram o noticiário em tempo real, com os jovens repórteres revezando-se no prédio ocupado durante as 24 horas do dia. O resultado deste trabalho é que o grupo fez muitas fontes com professores, estudantes e servidores, nas instâncias sindicais (ADUnB, DCE, Sintfub e centros acadêmicos), institucionais (decanatos, procuradoria, administradores pro-tempore, Consuni) e no cotidiano da universidade (restaurante universitário, pontos de encontro).
O pedido/proposta para realizar uma pesquisa de intenção de voto estava inserido neste contexto e com um complicador: seria experimentada na primeira edição elaborada pelo grupo, que pelo planejamento feito pelo grupo, deveria ser distribuída no primeiro dia da eleição, 17 de setembro. Teriam, sem qualquer experiência na produção de um jornal impresso, que adiantar a edição em dois dias, para 15 de setembro, uma segunda-feira.
O conceito pedagógico central no laboratório Campus é o da autonomia (Freire) para a construção do conhecimento: a pesquisa da nova eleição para reitor teria que seguir os cânones das sondagens de intenção de votos, com metodologia capaz de refletir todos os segmentos envolvidos na eleição e respeitar a paridade dos votos, re-instaurada na UnB, e os alunos é que deveriam apresentar uma proposta de solução para o problema da pesquisa. Esta condicional é fruto da história do próprio Campus. Na reeleição do professor Lauro Mohry (em 2002) os jovens jornalistas, em parceria com um grupo de estudantes da Ciência Política, também fizeram uma pesquisa de intenção de votos. Os questionários foram aplicados pelos alunos do jornal impresso e por alguns alunos (os que não se rebelaram, porque não era obrigatório participar) da recém-nascida disciplina de Campus 1, quando se oficializou a prática do jornalismo on-line em nosso laboratório.
Os estudantes de Ciência Política e de Estatística, organizados nas agências juniores Strategos e Estat , respectivamente, apresentaram um plano amostral de 21 páginas, definindo a metodologia e as 15 áreas do campus da UnB no Plano Piloto, com aplicação de 520 questionários, respeitando a paridade.

Organização e administração da produção


Os alunos foram questionados quanto à questão operacional para ajustar a produção do jornal com a logística para a sondagem eleitoral, uma vez que a organização, administração e planejamento das edições também faz parte do aprendizado na disciplina Campus 2. Ainda no início do semestre, o grupo apresenta um cronograma de produção com as cinco datas de distribuição do jornal durante o semestre. Eles teriam condição, no primeiro número editado pelo grupo, de produzir 16 páginas, incluindo um suplemento, antecipando em dois dias a distribuição, o que representava reduzir o prazo de fechamento em quatro dias?
O grupo refez o planejamento e incluiu na organização da produção as rotinas para a aplicação da pesquisa, reuniões para que fossem apresentadas as metodologias e conceitos. Também era fundamental garantir o sigilo dos dados, para não auxiliar nem prejudicar qualquer das seis chapas candidatas à reitoria. Poucos do grupo – três editores, secretária de redação, professores (diretores de redação) – poderiam ter acesso às informações e às páginas da pesquisa e capa, que ficaram fora das rotinas de edição e revisão, que sempre passam por diversos olhos na redação.



Familiarização com conceitos


Durante o processo de produção, análise e publicação da pesquisa sobre a intenção de votos para reitor da UnB, o grupo de alunos teve contato com conceitos muito importantes tanto para quem faz pesquisa científica quanto para jornalistas que produzem reportagens sobre esses levantamentos. Alguns dos principais conceitos trabalhados:


  1. Uso de questionários: alunos das empresas juniores explicaram aos alunos de
    Campus I e Campus II cada uma das questões que integravam o questionário a ser
    aplicado. Foram esclarecidos riscos de indução e manipulação de respostas e
    diferenças entre pergunta aberta e pergunta fechada;

  2. Amostragem: explicaram a necessidade de aplicar os questionários a estudantes,
    professores e servidores, os três segmentos que votam. Foi esclarecida ainda a
    necessidade de a amostra levar em conta locais de trabalho e estudo desses votantes,
    pois isso poderia influenciar na intenção de votos. Assim, cada aluno saiu com a
    tarefa de aplicar questionários a um número fechado de pessoas de cada um dos três
    segmentos e em determinados locais da UnB;

  3. Margem de erro: na primeira versão da matéria sobre a pesquisa, os estudantes
    escreveram que a margem de erro era de 5%. Na revisão do material, antes da
    publicação, foi explicado a eles que a margem de erro era de cinco pontos percentuais, e não 5%. Foi discutido com os autores do texto e, depois, com um grupo maior de estudantes a diferença entre os dois índices;

  4. Empate técnico: como resultado da margem de erro, a pesquisa apontou um empate
    técnico entre dois candidatos. Os alunos aprenderam o que isso significa.

Familiarização com rotinas e constrangimentos jornalísticos


O processo também foi fértil para a experimentação, pelos alunos, de situações típicas de
uma redação jornalística, desde algumas rotinas de produção até os constrangimentos
(Souza) pré-publicação e pós-publicação. Alguns exemplos:



  1. O sigilo de informações: como a pesquisa foi concluída dois dias antes de o jornal
    Campus ser enviado para a gráfica e quatro dias antes de sua distribuição, os alunos
    precisaram conviver com a necessidade de manter informações em sigilo, já que o
    ‘vazamento’ poderia levar o grupo a perder um furo jornalístico;

  2. A pressão contra a publicação: como a aplicação dos questionários tornou público
    o processo de realização da pesquisa, alguns candidatos e pessoas ligadas a eles
    resolveram tentar impedir a divulgação dos dados, enquanto outros passaram a
    buscar as informações que seriam divulgadas. Aí os alunos experimentaram o
    processo de resistência a pressões: não houve vazamento de informações nem
    vingou qualquer tentativa de impedir a circulação do jornal. A Comissão de
    Organização da Consulta (COC) encaminhou pedido de informações sobre a
    pesquisa do Campus. O documento foi considerado válido.

  3. As queixas posteriores: a publicação da pesquisa como manchete do Campus foi
    seguida por e-mails e declarações iradas de candidatos que não apareceram em boa
    colocação nas intenções de voto. Os contrariados diziam que a pesquisa estava
    muito equivocada. Isso permitiu aos alunos entenderem que esse tipo de reação é
    normal e que eles precisam se habituar a conviver com elas. As urnas mostrariam,
    posteriormente, que os dois primeiros colocados foram exatamente aqueles que
    apareciam na pesquisa em empate técnico no primeiro lugar. O terceiro colocado
    também foi o apontado no levantamento. No segundo turno, o professor José
    Geraldo foi eleito com 51,65% dos votos.

O eixo fundamental desta pedagogia é tornar a produção do jornal um exercício de
amadurecimento, em que o aluno faz pesquisa tanto quando apura e edita as matérias quanto quando coleta informações teóricas. Neste exercício do laboratório os alunos deixam de ser objeto de ensino (Demo) e se tornam sujeitos, autônomos (Freire) geradores de conhecimento.

Além das questões do próprio campo jornalístico, o grupo vivenciou – e refletiu sobre – os constrangimentos da produção jornalística e as negociações/conflitos com agentes de outros campos (Bourdieu). Esta também foi uma experiência multimídia, pois a redação do impresso – de alunos matriculados no sexto semestre – teve que se relacionar com o jornal Campus Online, produzido por alunos do quinto semestre, e que também publicou, conforme acordo firmado entre as equipes, matérias sobre a sondagem de intenção de votos.


(Relato apresentado no II Encontro de Professores de Jornalismo DF-GO-TO, Brasília, 18/10/2008)


Bibliografia
1. BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. Porto Alegre, Ed.
Universidade (UFRGS), 1998.
2. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2005.
3. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, SP, 7ª edição, Editora Autores
Associados, 2005.
4. MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana
e industrial, São Paulo: Summus Editorial, 3ª edição, 1988.
5. SOUZA, Jorge Pedro. As notícias e seus efeitos. Portugal, Editora Minerva-
Coimbra, 2000.
6. SLACK, Nigel; CHAMBERS, Stuart. Administração da produção. São Paulo,
Editora Atlas, 2002.
Internet
1. MARQUES, Márcia. As mudanças das rotinas de produção das agências de notícias
com a consolidação da internet no Brasil. Na Biblioteca On Line de Ciências da Comunicação.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não sou da UNB,estudo em SP e fiquei chocado em observar as reações de candidatos com o resultado pesquisas realizadas.Parece que a convivencia democratica não sera facilmente estabelecida entre nós.
Parabens a Prof Marcia e seus alunos que,com transparencia levaram adiante suas atividades junto ao campus