sábado, 8 de junho de 2013

Cildo Meireles, apenas



Caminhar pelo Paseo del Buen Retiro, cravado em uma zona aristocrática da capital espanhola, sempre surpreende. Em geral, os mapas turísticos indicam lugares para visitas rápidas por Madrid, moldadas ao tempo em que se vai ficar na cidade: duas horas, um dia, um mês. Ao gosto do freguês. O Paseo abriga jardins especializados, se se pode dizer assim. Em geral, encantadores. Os espanhóis cuidam bem de seus jardins. E vez por outra trombamos com algum jardim que homenageia um jardineiro real.

O Buen Retiro também reúne músicos, em sua maioria, saxofonistas, que talvez não estudem em casa, para não incomodar vizinhos pouco sensíveis a experimentações sonoras. Ouve-se muito tango e músicas brasileiras dos anos 1950/1960. E as trilhas cinematográficas dessas décadas distantes. O Paseo também é ponto de encontro de aprendizes: de skate, de corrida, de patins, de bicicletas. E passagem de gente, que volta para casa, que buscou o filho na escola, que saiu do trabalho no bairro de Salamanca e segue até Atocha, a estação de trem que leva às cercanias da cidade.

Melhor atravessar as ruas arborizadas, silenciosas, del Buen Retiro para chegar ao Museu do Prado. Nele há, por exemplo, três andares de pinturas de Goya, o grande artista espanhol: das que retratam pessoas felizes pelas ruas, às que mostram a nobreza empertigada e à fase negra, onde a miséria humana, arrasada pelas guerras, está exposta em quadros difíceis de digerir.

O Parque também abriga espaços de exposição, como o Palácio de Velázquez, administrado pelo Museu Reina Sofia e localizado em um prédio que reafirma a presença árabe em terras espanholas, e que em geral oferece pequenas mostras, de autores contemporâneos de todo o mundo. Aberta em 24 de maio, com encerramento anunciado para 29 de setembro, a exposição do artista brasileiro Cildo Meireles é um convite aos sentidos: é para entrar, pegar, ouvir, sentar, olhar. Rir, sentir-se deslocado. Incomodado. Há um cheiro, no ar. Amadeirado, em princípio, que vai azedando com o tempo. Na entrada, um pier. Dá pra sentar cantarolando “seating at the dock of the bay, wasting time...” e ficar, olhando aquele mar de páginas de fotos do mar que compõem o mar. Dá pra brincar no cubo imaginário, cercado apenas por fios de aço, que, todavia, intimidam. 

Mas embrulha o estômago a oca de índio, aquela fixada em nosso imaginário pelo cinema americano. Ela ocupa o centro, é feita de dinheiro, ela está num mar de ossos, doces no início e que azedam com a duração de nossa presença no espaço de exposições. Tudo envolvido por velas. Um muro de velas. Uma porrada sensorial, neste momento em que se discute a questão indígena no Brasil. Ainda ouvi um brasileiro me dizer da indolência do índio. O diálogo não foi longe. Disse a ele que conhecia os índios que vão à luta.

Toda a exposição é encantadora, um convite a rever os conceitos, o prisma, o ponto de vista. Tudo é ilusão. E não. Dói a pergunta escrita nas notas de dinheiro: quem matou herzog? Uma exposição imperdível, para quem passar por Madrid.


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